domingo, 9 de setembro de 2012

uma 2ª visão parte 2

Scliar, quando em O sertão vai virar mar, faz a releitura de Os Sertões, o faz com uma linguagem e vocabulário bem simples, o que permite um entendimento claro do que foi este fato histórico, tão relevante de nossa história. Scliar, em seu livro, de uma maneira bastante clara, criou um enredo ficcionista que se assemelha ao de Os sertões e, no desenrolar da trama, conta a história de Canudos e seu beato. As diferenças no vocabulário e na linguagem dos dois livros são enormes e podemos comprová-las em passagens como:

"Decorre isto de sua situação topográfica. A sublevação de rochas primitivas que se alteiam aos lados, para norte e para leste, levanta-se como anteparo aos ventos regulares, que até lá progridem e torna-se condensador admirável dos escassos vapores que ainda o impregnam..." Cunha (2002, p. 229)

"No lugar chamado Buraco – uma enorme vila popular que tem mais de trinta anos, as casinhas até hoje são humildes, as condições de vida, muito duras. Em outras cidades, bairros assim são o reduto de traficantes, de criminosos. Não em Sertãozinho de Baixo..." Scliar (2003, p. 11)

Estes dois pequenos trechos têm em comum, o fato de serem, nas duas obras as primeiras descrições do local onde habitava o beato. Em Os sertões é uma descrição rebuscada e detalhada do Monte Santo ou Canudos e seu posicionamento geográfico; já em O sertão vai virar mar é um relato claro e simples do lugar chamado “Buraco”, bairro da cidade de Sertãozinho de Baixo, onde mora o beato da história contemporânea. Neste aspecto e em muitos outros, as duas obras são radicalmente diferentes. Época, costumes, estilo de vida; numa campestre, noutra urbano e outras divergências são contrapostos no livro de Scliar e assimilados primeiro por suas personagens e depois pelos leitores infanto-juvenis que estão na mesma faixa etária dos protagonistas do livro.

Se é certo que as duas obras têm suas diferenças, também é verdade que elas possuem pontos importantíssimos em comum. As fortes denúncias de injustiças sociais são marcantes nos dois livros. Euclides da Cunha foi ímpar ao retratar toda a trama de Antônio Conselheiro, desde seus infortúnios no Ceará, onde fora um pacato professor de escola primária, até o apogeu de seu ministério no sertão da Bahia. Os sertões mostrou como o misticismo e o político se emparelham e se misturam em passagens como:

Pregava contra a República, é certo. O antagonismo era inevitável. Era um derivativo à exacerbação mística; uma variante forçada ao delírio religioso” Cunha (2002, p. 190).

Quando o autor de Os sertões se embrenhou no interior, sua missão era fazer um trabalho de cobertura jornalística sobre os conflitos em Canudos, mas acabou retratando a vida do sertanejo, suas crenças, dificuldades, seu sofrimento, suas carências físicas e morais. Poucos retrataram o sertão nordestino e seu povo como Euclides da Cunha. Moacyr Scliar, relembrando as denúncias do grande jornalista, também fez as suas: foram novas denúncias, mas sobre os mesmos problemas delatados em Os sertões. Mudou-se o cenário, a época mas os problemas são os mesmos: injustiça social, desigualdade na distribuição de renda, descaso do poder público com relação às dificuldades do povo e muitos outros aspectos que vão aflorando da trama de Moacyr Scliar, como fizeram anteriormente na de Euclides da Cunha. O adaptador nos mostra “... O que me deixou indignado foi a maneira com que os responsáveis pela obra nos trataram, a mim e aos outros. Nós éramos simplesmente obstáculos que tinham que ser removidos. Mas aquelas terras, gente, eram a minha vida, a nossa vida.” Esta denúncia, como tantas outras são comuns tanto na original, como na obra adaptada.

Nenhum comentário:

Postar um comentário